terça-feira, janeiro 02, 2007

Do Senhor Oswaldo

No primeiro dia de 2007 decidi visitar meu amigo Arubatan, que ficou muito doente em 2006, mas felizmente está se recuperando. Visita doída, que já deveria ter ocorrido há muito, mas foi adiada por motivos vários, alguns justos, outros vis. Mais doída foi por ter sido diferente de como fora programada originalmente.

Logo que cheguei, conheci senhor Oswaldo. Irmão da bisavó de Arubatan, ele estava deitado e prontamente sentou-se. Havia ouvido falar que sou matemático e já me propôs um par de desafios do livro O Homem que Calculava, de Malba Tahan. Resolvi um deles, o que provocou contentamento em senhor Oswaldo.

Continuamos a conversar e logo descobri que senhor Oswaldo havia lido bem mais do que O Homem que Calculava. Goethe, Balzac, Shakespeare, Augusto dos Anjos, Olavo Bilac e outros foram citados. Não, foram mais que citados – foram recitados. Senhor Oswaldo tem uma memória que invejo. Ele memorizou inúmeras passagens de obras desses autores. Senhor Oswaldo começou a declamar, sem consultar nenhum livro, mais de uma dezena dessas passagens. Sua voz, seu rosto, seus olhos vibravam enquanto ele falava. Eu, estupefato, ouvia. Foi uma daquelas experiências inesperadas, daquelas que me fazem lembrar a fala do personagem Ricky Fitts, de Beleza Americana: "Às vezes, há tanta beleza no mundo! Penso que não vou suportar e meu coração parece que vai sucumbir". Em alguns momentos, mirava os olhos azuis de senhor Oswaldo e me distraía. Fitando seu rosto, eu vi a vida, vi a morte e vi 2007, que eu tristemente havia tentado ignorar, surgindo exuberante, zombando de mim e me pregando uma peça, talvez mostrando a pouca importância de minha tola melancolia. Quando dava por mim e voltava a prestar atenção, senhor Oswaldo, sorrindo, já estava terminando outro soneto recheado de palavras que não conheço.

Senhor Oswaldo completará 84 anos em 10 de janeiro de 2007. Quando criança, passou fome. Disseram-me que comeu pão com bolor, café com farinha, que catou comida no lixo no cais do porto de Angra dos Reis. Disseram-me que pediu esmola, que ganhou moedinhas na igreja, que só estudou até a antiga quarta série primária. Hoje, com catarata, senhor Oswaldo tem 10% de visão em um olho e 20% no outro. Isto o incomoda, pois ele não pode mais ler como gostaria. Mas senhor Oswaldo deve ser submetido a uma cirurgia nos olhos e espero que isso o ajude.

Desejo a todos um excelente 2007. Quero aproveitar e agradecer muito o carinho e o apoio que recebi no último trimestre de 2006 de pessoas que me são caras: Aline, Ingrid, Janaina, Cynthia, Carla, Liliane, Duda, Jackie, Raquel, Izabel, Drica. Ainda que não me seja possível retribuir o apoio recebido de vocês, deixo como presente uma parte do Fausto de Geothe, o texto recitado por senhor Oswaldo que mais me impressionou.

Num quarto gótico estreito, com abóbadas altas, Fausto irrequieto, sentado em sua poltrona junto à escrivaninha: "Ah, estudei até a exaustão a filosofia, a medicina, a jurisprudência e avidamente a teologia, tudo com a maior paciência. Mas eis-me aqui, pobre ignorante, não mais sabido do que antes. Sou professor, doutor até. Há dez anos fico atrás dos meus alunos, sem parar. Estudar, estudar e estudar! Mas vi que não é possível saber, e isso dilacera o meu coração. Na verdade, sou mais inteligente do que esses paspalhos - doutores, professores, escritores e padres. Não tenho escrúpulos, nem dúvidas me assolam, não temo nem o inferno, nem o diabo. Porém, a alegria me foi roubada. Não tenho mais a ilusão de saber, não tenho mais a ilusão de poder ensinar aos homens para melhorá-los ou convertê-los; também não tenho bens, muito menos dinheiro, nem honra, nem glória no mundo. Nem mesmo um cão viveria desse jeito! Por isso entreguei-me à magia, para ver se, por força do espírito e da palavra, consigo desvendar alguns mistérios. Para que eu não fale mais, com suor azedo, daquilo que não sei. Para que eu conheça o que o mundo esconde em seu âmago profundo".