quinta-feira, agosto 14, 2008

Das decisões sobre o que ler

Com o retorno das aulas de Filosofia, novos livros foram indicados pelos professores. Fui comprar um par deles ontem, na hora do almoço, em uma livraria do Centro. Coloquei os dois livros escolhidos no balcão do caixa, quando percebi que ao meu lado estava um estudante que conheço do curso de Direito de quem não lembro o nome. Assim que o reconheci, cumprimentei-o amavelmente. Ele usava um terno e estava com uma bolsa da loja. Não pude, portanto, ver seus livros, que já estavam na sacola. Olhando para os meus, ele percebeu que aquele que estava por cima era de John Rawls, autor que usualmente está nas prateleiras de Filosofia do Direito ou Filosofia Política.

– Isso nunca vai dar dinheiro a você – disse o rapaz de supetão, apontando para o livro e balançando a cabeça negativamente.

Em lugar de responder, eu ri. Na verdade, quase gargalhei, o que chamou ainda mais a atenção de uma jovem que acabara de chegar no caixa com um grosso volume nas mãos e prestava atenção na conversa. Morena, com rosto de menina e belos cabelos negros e curtos, tinha um breve sorriso que mostrava curiosidade e usava aquelas sandálias baixas de couro que se costuma encontrar nas universitárias dos cursos de ciências humanas.

– Eu não tenho tempo para ler Rawls – continuou o rapaz de terno, acrescentando mais umas duas frases sobre dinheiro e tempo, com aquele ar de quem fala aos ingênuos.

Eu ainda ria ao mesmo tempo em que lamentava ouvir aquilo e, mais para confundir, menos para responder, decidi falar algo.

– Mas você acha que tempo é dinheiro ou que dinheiro é tempo? – perguntei.

Enquanto ele respondia alguma coisa que não me importou muito, a menina morena abandonou a mera observação e também tomou parte da conversa.

– Isso depende de onde você olha – respondeu ela, talvez por não gostar de respostas pueris.

Após terminar de pagar, o rapaz já havia ido embora rapidamente, possivelmente em busca de tempo ou dinheiro, e eu expliquei brevemente à menina morena que conhecia o rapaz de terno do curso de Direito e que lá não é hábito valorizar muito a Filosofia.

– Muito limitado... – disse a garota, referindo-se ao rapaz e fazendo com as mãos aquele gesto que imita antolhos. – Deve ser chato ir contra a corrente em um curso assim.

Ela se aproximou, mostrando o livro que segurava. Era de histórias de Mafalda, a personagem dos quadrinhos argentinos.

– Você sabe de que ano é a Mafalda? – perguntou, parecendo interessada em manter a inesperada conversa.

– Não, eu não sei – disse eu, sorrindo para ela.

Lembrei-me que Nathália, como quem eu havia saído para o almoço, esperava por mim em um sofá da livraria, um pouco absorta, mas também preocupada com a demora. Eu me despedi rapidamente e voltei com Nathália para o trabalho. No caminho percebi que deveria ter conversado mais com a menina morena: não é todo dia que se encontra alguém bonita e crítica. Lamentei minha falta de atitude, pensando que talvez minha capacidade de abordar mulheres seja tão limitada quanto o discurso mostrado alguns momentos antes pelo rapaz de terno. Mas, não, claro que não! A culpa foi da Nathália e sua pressa...