segunda-feira, novembro 12, 2007

Da memória

Hoje, quando saí do ônibus voltando do trabalho, comecei a assobiar uma música qualquer. Subitamente, fiquei bastante surpreso: era uma parte de uma música erudita que servia de abertura para um antigo programa de rádio que meu pai ouvia! Era o início do Concerto para Piano e Orquestra No. 1 de Tchaikovsky. Meu pai, hoje morto, costumava assobiar a música e provavelmente eu o ouvi fazendo isso há mais de uma década. Como e por qual razão minha memória resgatou essa música?

A memória é um dos vários mistérios ainda não bem resolvidos pela ciência. Ainda que já se tenha caminhado bastante nessa área, ainda há muito que ser descoberto. Outro dia vi, em um programa de televisão, experiências realizadas com pacientes que sofriam da síndrome da depressão pós-trauma. Eles tinham passado por situações ruins que eram constantemente revividas durante o dia ou em sonhos. Foi-lhes administrada uma droga que fazia com que as lembranças indesejadas ficassem menos intensas, de maneira que o sofrimento teve significativa redução. As pessoas lembravam das histórias, mas de uma maneira tal que parecia mais que elas não tinham sido os protagonistas daquelas histórias. Houve quem falasse, no tal programa, que isso era eticamente condenável, pois são as lembranças que nos fazem o que somos. De todo modo, devo confessar que tenho umas lembranças que mereciam ser completamente apagadas... Tenho certeza que todos vocês também têm.

Por outro lado, todos nós também temos coisas que queremos manter bem vivas em nossa memória, desde os assuntos que vão cair em uma prova até momentos importantes que dizemos inesquecíveis. No entanto, com o tempo, tudo se esvai. E, pior que isso, quando tentamos nos lembrar, nossa memória nos engana e inventa os pedaços que esquecemos, para que as coisas façam sentido. Trata-se do que a psiquiatria chama de memórias falsas.

No meio das memórias indesejadas e almejadas, talvez seja Nietzsche que esteja certo, ao defender a importância do esquecimento diante da memória. Dizia ele que esquecer é bom e que “a memória do ressentido é uma digestão que não termina”. Quem sabe ele está certo e o esquecimento é o remédio para o ressentimento? Assunto para outro dia...